A aliança é o necessário complemento da
Internacional. Mas a Internacional e a Aliança, ainda quando têm a mesma
finalidade, ao mesmo tempo perseguem objetivos diferentes. Uma tem a
missão de agrupar as massas operárias, os milhões de trabalhadores,
através dos diferentes países e nações, através das fronteiras de todos
os estados; a outra, a Aliança, – tem a missão de dar a estas massas uma
orientação realmente revolucionária. Os programas de uma e de outra,
sem que de modo algum sejam opostos, são diferentes pelo grau de seu
respectivo desenvolvimento. O da Internacional, se o tomamos com toda a
serenidade que exige o caso, convém o germe, mas solo em germe, todo o
programa da Aliança, O programa da Aliança é a explicação última do
programa da Internacional.
Nunca se deve renunciar ao programa
revolucionário claramente estabelecido, nem pelo que tange à forma, nem
pelo que tange a sua substância. As reticências, as meias verdades os
pensamentos castrados e as complacentes atenuações e concessões de uma
diplomacia covarde não são os elementos com que se formam as grandes
coisas; estas só se formam em corações com espírito justo e firme, com
uma finalidade claramente determinada e com uma grande valentia.
Sabemos que em política não há prática
sincera e útil possível sem uma teoria e uma finalidade claramente
determinada. Não cabe dúvida de que o número de nossos aderentes será
maior se evitarmos precisar nosso real caráter. Mas já disse o provérbio
que quem muito abarca mal abraça: compraríamos todas estas preciosas
adesões ao preço de nossa completa aniquilação.
Nós, bem ou mal, conseguimos formar um
pequeno partido; pequeno em relação ao número de pessoas que aderiu a
ele com conhecimento de causa, mas imenso com respeito a seus aderentes
instintivos, a estas massas populares cujas necessidades representamos
melhor que qualquer outro partido. Agora deveremos navegar todos juntos
no oceano revolucionário, e daqui para frente devemos propagar nossos
princípios, não com palavras, mas com fatos, porque afinal é a mais
popular, poderosa e irresistível forma de todas propagandas.
O que devem fazer as autoridades
revolucionárias (e procuremos que estas sejam as menos possíveis)? O que
devem fazer para estender e organizar a revolução? Não devem fazer a
revolução por decreto: não devem impô-la as massas. Não devem impor a
elas uma organização, seja a que for, mas, promovendo sua organização
autônoma de baixo pra cima, devem trabalhar por enlace, com ajuda da
influência individual sobre os indivíduos mais inteligentes e influentes
de cada localidade, afim de que essa organização seja adequada na maior
medida possível a nossos princípios.
Não pensem que eu estou advogando em
prol da anarquia absoluta nos movimentos populares. Uma anarquia como
essa não seria nada mais que a completa ausência de pensamento, de
finalidade e de conduta comum, e necessariamente haveria de desembocar
em uma impotência geral.
Tudo o que existe, tudo é viável se
produz dentro de certa ordem, que lhe é inerente e que demonstra o que
há em si. Os revolucionários políticos, os partidários da ditadura
ostensiva, recomendam, uma vez que a revolução tenha obtido sua primeira
vitória, o apaziguamento das paixões, a ordem, a confiança e a
submissão aos novos poderes estabelecidos. Desta maneira reconstituem o
estado.
Para que se possa atuar é necessário que
exista uma organização, e para isso é necessário prepará-la e
organizá-la antecipadamente, pois não se fará por si só, nem por
discussões, nem por exposições e debates de princípios, nem por
assembléias populares. Por mais inimigo que seja do que na França se
chama disciplina, reconheço que uma certa disciplina, não automática mas
sim refletida, é e será sempre necessária cada vez que muitos
indivíduos, livremente unidos, empreendam um trabalho ou uma ação
coletiva; não importa qual.
Em tais casos a disciplina não é nada
mais que a concordância voluntária e reflexiva de todos os esforços
individuais rumo a um fim comum. No momento da ação, em meio à luta, os
papéis se dividem naturalmente segundo as aptidões de cada um,
apreciadas e julgadas por toda a coletividade: uns dirigem e mandam, e
outros executam ordens. Mas nenhuma função se petrifica, se fixa, nem
permanece irrevogavelmente aderida a pessoa. A ordem e a promoção
hierárquicas não existem, de maneira que o comandante de ontem pode ser o
subalterno de hoje. Nesse sistema já não há, a rigor, poder. O poder se
funde na coletividade e se converte em sincera expressão da liberdade
de cada um, na realização fiel e seria da vontade de todos. Todos
obedecem somente porque o chefe de cada dia não ordena senão o que todos
querem. Tal é a disciplina verdadeiramente humana, a disciplina
necessária para a organização da liberdade. A unidade viva,
verdadeiramente poderosa, e a que queremos todos, é a unidade que a
liberdade cria nas entranhas das diversas e livres manifestações da
vida, expressando-se pela luta.
M. Bakunin. A Aliança e a Internacional.
O fato de que pode existir uma
coletividade organizada sem autoridade, isto é, sem coerção, sendo
admitido – e os anarquistas devem admiti-lo, senão teria sentido -, nos
leva à organização do partido anarquista. Um matemático, um químico, um
psicólogo, um sociólogo podem afirmar que não têm programa, ou que seu
único programa é a procura da verdade; eles querem conhecer, e não agir.
Entretanto o anarquismo e o socialismo não são ciências: são objetivos,
projetos que os anarquistas e os socialistas querem pôr em prática e
que têm necessidade de ser formulados em programas bem determinados.
Basta ver o que sempre se passou entre
nós: quanto menos organizados nos encontramos, mais submissos estivemos à
vontade de um indivíduo. É natural que assim seja. Logo, longe de criar
a autoridade, a organização é a única solução contra a autoridade e a
única maneira de fazer com que cada um de nós se habitue a tomar parte
ativa e consciente no trabalho coletivo e deixe de ser um instrumento
passivo nas mãos dos chefes. Entretanto, nos dirão, uma organização
supõe a obrigação de coordenar sua própria ação com a dos outros, o que
viola e impede a iniciativa. Parece-nos que o que realmente priva a
liberdade e torna a iniciativa impossível, é o isolamento que reduz à
impotência. A liberdade não é um direito abstrato, mas a possibilidade
de fazer alguma coisa: é verdade para nós e também para a sociedade em
geral. É na cooperação com os outros homens que o homem encontra a razão
de ser de sua atividade e de seu poder de iniciativa.
“Ficaríamos muito contentes se
pudéssemos estar todos de acordo e unir todas as forças do anarquismo em
um movimento forte, etc. É preferível estarmos desunidos que mal
unidos. Mas gostaríamos de esperar que cada um una-se a seus
companheiros e que não haja forças isoladas, isto é, perdidas.”
E. Malatesta. Anarquismo e Organização
São as massas as que fazem a revolução,
mas as massas não podem prepará-la tecnicamente. Fazem falta os homens,
os grupos, os partidos, ligados por livres pactos, comprometidos ao
segredo, de posse dos meios necessários que podem criar essa rede de
comunicações rápidas indispensáveis para o rápido conhecimento de todos
os fatos suscetíveis de provocar um movimento popular e sua rápida
propagação. E quando dizemos que a organização revolucionária deve ser
uma organização específica construída fora dos partidos oficiais é
porque estes tem outras tarefas que excluem o segredo necessário para as
coisas ilegais, mas é também, sobretudo, porque não temos confiança na
vontade revolucionária dos partidos afins a nós, tal como estão hoje
constituídos.
“Toda idéia nova, toda instituição nova, todo progresso e toda revolução tem sido obras de minorias.”
E. Malatesta. El pensamiento de Malatesta. Capítulo IX La revolución
Eu creio que as revoluções não se fazem
sem as massas, mas é preciso começar a tomar as massas tal como são. As
multidões são móveis, mas se em certo momento nos abandonam as
voltaremos a encontrar quando as circunstâncias nos sejam precisas. O
importante é que haja uma vontade revolucionária nas minorias mais
capazes de reagir e rebelar-se com o próprio esforço contra o ambiente. O
importante é formar núcleos, o mais numerosos que se possa, de acordo,
mas de gente consciente, segura e abnegada, que em sua hora saibam mover
as multidões.
É preciso, portanto, em tempos normais
atender ao trabalho longo e paciente de preparação e organização popular
e não cair na ilusão da revolução a curto prazo, fatível só por
iniciativa de poucos, sem suficiente preparação nas massas. A esta
preparação, enquanto sejam possíveis em ambiente adverso, tendem entre
outras coisas a propaganda, a agitação e a organização entre as massas,
que não devem ser descuidadas nunca.
A um partido autoritário, que procura se
apropriar do poder para impor as próprias idéias, interessa que o povo
siga sendo uma massa amorfa, incapaz e portanto que siga sendo sempre
fácil de dominar. Por conseqüência, não deve desejar mais que aquele
pouco de organização, e do tipo que lhe interessa, para alcançar o
poder: organização eleitoral, se espera alcançá-lo por meios legais;
organização militar se conta, por sua vez, com uma ação violenta.
Temos nos dado o dever de lutar contra a
presente organização social e de abater os obstáculos que se opõem ao
advento de uma nova sociedade em que liberdade e bem estar estejam
garantidos para todos. Para alcançar este objetivo, nos unimos em
partido e procuramos ser o mais numerosos e mais forte possível. Mas se
só estivesse organizado nosso partido; se os trabalhadores permanecessem
isolados como tantas unidades indiferentes umas das outras e unidos só
por uma cadeia em comum; se nós mesmos, além de estar organizados em
partido enquanto anarquistas, não estivéssemos organizados com os
trabalhadores enquanto trabalhadores, não poderíamos conseguir nada, ou
no melhor dos casos não poderíamos nos impor…e então já não haveria
triunfo do anarquismo mas um triunfo nosso. Por muito que nos
chamássemos anarquistas, na realidade não seriamos mais que simples
governantes e seriamos impotentes para o bem como são todos os
governantes.
Como anarquistas devemos nos organizar,
entre gente perfeitamente convencida e de acordo entre si, e entorno de
nós devemos organizar, em associações amplas, abertas, a maior
quantidade possível de trabalhadores, aceitos como são e nos esforçando
para fazê-los progredir o máximo que podemos.
Não basta desejar uma coisa: se sequer
obtê-la de verdade tem que se empregar os meios adequados para
consegui-la. E estes meios não são arbitrários, senão que derivam
necessariamente do fim que se aponta e das circunstâncias em que se
luta, já que enganando-se a respeito da escolha dos meios não se
chegaria ao fim proposto mas a outro, talvez oposto, que seria
conseqüência natural e necessária dos meios empregados.
E. Malatesta. Ideologia Anarquista Editorial Recortes
Por organização entendemos a união dos
anarquistas em grupos e a união federal dos grupos em si, sobre a base
de idéias comuns e de um trabalho prático comum a realizar.
Nem mesmo remotamente queremos nos
solidarizar com idéias e métodos que não são os nossos e,
consequentemente, desejamos evitar a confusão que nos une
indiscriminadamente e que torna a nossa propaganda caótica,
contraditória e sem resultado.
É preciso reconhecer que a organização é
um meio de se diferenciar, de se precisar um programa de idéias e de
métodos estabelecidos, um tipo de bandeira de reunião para se partir ao
combate sabendo-se com quem se pode contar e tendo-se consciência da
força que se pode dispor.
Assumimos o nome porque ele precisa a
nossa idéia e as nossas proposições, porque ele possui o valor de um
programa. Dizemos, por exemplo, partido anarquista, entendendo
simplesmente por isso o conjunto de todos aqueles que combatem pela
anarquia. Quando dizemos federação socialista-anarquista, pensamos na
união pré-estabelecida dos indivíduos e grupos aderentes que, em
determinada localidade, puseram-se de acordo em torno de um programa de
idéias e métodos.
Todos aqueles que o aceitam formam a
organização cujo programa foi assim auto-estabelecido, sejam eles grupos
ou indivíduos; cada grupo e cada federação decide, através de sua
correspondência, dos jornais, dos congressos, etc., a maneira pela qual
concordam para desenvolver a ação comum, as formas de organização
federal e os grupos e modalidades internas.
Entretanto, organizar-se e
diferenciar-se daqueles que, em algum ponto essencial, não estão de
acordo conosco na interpretação do termo e dos métodos da anarquia, não
significa que pretendemos o monopólio do termo e do movimento anarquista
ou que queiramos excluir quem quer que seja da grande família
libertária. Mas sermos todos da mesma família, não significa que
tenhamos todos as mesmas idéias e o mesmo temperamento, nem que
queiramos fazer a mesma coisa e que estejamos de acordo sobre tudo. Na
maioria da famílias é antes o contrário o que ocorre.
Os anarquistas que estão organizados
sabendo já o que fazem pois as prórpias formas exteriores os lembram
constantemente que estão associados , que discutem do seu ponto de vista
toda a proposição, venha de onde venha, estão menos expostos as
surpresas. Justamente porque a união faz a força, eles podem opor uma
maior força de resistência as sugestões dos camaradas mais inteligentes,
mais simpáticos ou mais ativos. Eles sabem se organizar e é
reconhecidamente mais difícil manipular uma massa de pessoas conscientes
de sua situação, do que uma numerosa quantidade de inconscientes.
A organização anarquista deve ser a
continuação de nossos esforços e da nossa propaganda; ela deve ser a
conselheira libertária que nos guia em nossa ação de combate cotidiano.
Podemos nos basear em seu programa para difundir a nossa ação em outros
campos, em todas as organizações especiais de lutas particulares nas
quais possamos penetrar e levar nossa atividade, por exemplo nos
sindicatos…Nossa organização especial pode servir igualmente como um
terreno para a concentração anarquista (não de centralização!), como um
campo de acordo, de entendimento e de solidariedade a mais completa
possível entre nós.
Para que exista coerência entre teoria e
prática, é preciso antes de mais nada que seja definido o programa
teórico, nos limites do qual a prática se apóie para não contradize-lo.
A organização não é um órgão consciente
em si, que guie os seus membros; são estes membros que a fazem segundo
seus próprios critérios teóricos e práticos. A organização não pode
transformar anarquistas em não-anarquistas, mas sim os anarquistas que
mudando-se a si mesmos podem transformar uma organização anarquista em
autoritária.
Muitos nos objetam que toda coletividade
é suscetível de dividir-se em maioria e minoria, e que, em muitos casos
a organização fará com que a minoria deva submeter-se a maioria. Nós,
ao contrário, não admitimos dominações deste tipo, e por isso não damos
nem a maioria nem a minoria o direito e os meios de poder se impor.
Certamente uma divisão de pontos de
vista e de opiniões podem surgir. Se a discórdia brota das idéias e da
tática fundamental, é preciso que as duas partes se separem, pois elas
constituem, a partir de então, dois partidos distintos. Foi desta forma
que nós, anarquistas, quando a diferença apareceu como irremediável e
muito grande, separamo-nos dos socialistas autoritários no seio da
Internacional.
Se for no próprio seio da organização
que o desacordo surgir, que a divisão entre maioria e minoria aparecer
por questões secundárias, sobre modalidades práticas ou sobre casos
especiais, então não se pode acusar de incoerência nenhuma parte nem
outra; então poderá ocorrer com maior ou menor facilidade que a minoria
se incline a fazer conforme a maioria. Mas, como esta condescendência
somente pode ser voluntária, todo o caráter de autoridade e coerção está
ausente. É natural que sejam os menos numerosos que cedam pois mesmo
estes serão de opinião de que é preferível, para a economia geral das
forças, que seja uma minoria e não uma maioria quem suporte um dado
inconveniente.
Em toda a convivência existe divisão de
trabalho entre os associados; alguns deles devem se encarregar de
funções sociais necessárias e úteis a todos. Tais funções possuem hoje
em dia um caráter autoritário porque são exercidas em grande parte por
organismos autoritários, mas não são em si a autoridade.
Creio que nenhum anarquista sustentará
que em anarquia se deva abolir o serviço postal ou o ferroviário somente
pelo fato de que hoje os correios e estradas de ferro são geridos de
maneira infame pelo estado capitalista. O que vale para a sociedade
futura vale para as organizações anarquistas, que delegam a alguns de
seus membros responsabilidades para cumprir uma função determinada e não
para exercer um poder. Delegação de função e não delegação de poder.
Não se pode fazer mais do que delegação de função no momento em que em
certo círculo não podem todos os camaradas ser ao mesmo tempo o
tesoureiro e o secretário, da mesma forma de que não podem todos por-se a
realizar uma função para qual basta o trabalho de um só.
A necessidade de tais mandatos amplia-se
e torna-se mais forte quando a organização é maior e os seu campo de
atividade mais amplo. Mas basta que os delegados não possam agir em nome
da associação a não ser quando seus membros lhes tenham explicitamente
autorizado; eles devem executar somente aquilo que os associados
decidiram e não ditar aos associados o rumo a seguir.
Se algum gérmen de autoridade pode se
personificar nestes representantes da associação este seria uma
autoridade moral, sem perigo de que possa se transformar em autoridade
coercitiva de fato. E um tal tipo de autoridade assim surgida nunca
seria tão forte como aquela que um companheiro ativo e inteligente pode
desenvolver em um meio desorganizado.
Luigi Fabbri. A organização anarquista
Há uma concepção que postula que a
iniciativa espontânea das massas basta para fazer possível a revolução.
Tal mito leva a uma demagogia populista, a apologia da rebelião sem
princípios, eventualmente reacionária, a inação e a capitulação.
Em oposição a isto, encontramos uma
concepção puramente voluntarista que atribui a iniciativa revolucionária
unicamente a organização de vanguarda. Esta idéia contém, de fato, o
germe da contra-revolução estatista e burocrática.
Próxima a idéia da espontaneidade, vemos
uma teoria afim no qual a organização de massas, sindicatos por
exemplo, não só são auto-suficientes, senão que suficientes para tudo.
Longe do espontaneísmo, do voluntarismo e
do empirismo, destacamos a necessidade da organização anarquista
revolucionária específica, concebida como a vanguarda consciente e ativa
das massas populares.
A vanguarda revolucionária, certamente,
exerce um rol de guia e liderança em relação ao movimento de massas. A
organização revolucionária deve sua criação ao fato de que a maioria dos
trabalhadores conscientes sentem sua necessidade, quando se confrontam
com o processo desigual e coesão inadequada das massas. O que deve ficar
claro é que a organização revolucionária não deve constituir um poder
sobre as massas. Seu papel de guia deve ser concebido como a formulação,
a expressão de uma orientação ideológica, organizativa e tática;
orientação que deve ser precisada, elaborada e adaptada com base nas
aspirações e experiências das massas.A função diretiva da organização
revolucionária, sem nenhum meio coercitivo, só pode se manifestar em seu
esforço por fazer triunfar sua ideologia, intentando que as massas
populares se impregnem profundamente de seus princípios teóricos e de
suas diretrizes táticas. É uma luta através das idéias e do exemplo. A
vanguarda deve se dar por tarefa o desenvolvimento da responsabilidade
política direta das massas, sua meta é o desenvolvimento da capacidade
de auto-organização das massas. Esta concepção da “direção” é de uma só
vez natural e educativo. Do mesmo modo, os militantes melhor preparados e
mais maduros no interior da organização, tem o rol de guiar e de educar
aos outros membros, para que todos fiquem bem informados e alertas,
tanto no terreno teórico como prático, para que todos possam ser
protagonistas em seu turno.
Se a minoria ativa se separa das massas, então não pode exercer sua função e se transforma em uma seita ou em uma classe.
Em última instância, a minoria
revolucionária não pode ser mais que um servente dos oprimidos. Tem
enormes responsabilidades, mas nenhum privilégio.
Sejam quais sejam as circunstâncias, a
minoria nunca deve esquecer que seu objetivo final é desaparecer e se
fundir nas massas quando estas alcancem seu maior grau de consciência,
durante a realização revolucionária.
Na prática há duas formas em que a
organização revolucionária pode influenciar as massas: está o trabalho
em organizações de massas estabelecidas e está o trabalho na propaganda
direta. Este segundo tipo de atividade toma lugar através de periódicos e
revistas, campanhas reivindicativas e de agitação, debates culturais,
ações solidárias, protestos, conferências e comícios públicos.Este
trabalho direto é essencial para ganhar forças e para conquistar certa
parcela de opinião pública, que seria de outro modo inacessível.
No interior das organizações de massas,
sociais e econômicas, a influência deve ser exercida e fortalecida não
através de um sistema de decisões externas, senão que através da
presença ativa e coordenada dos militantes anarquistas nelas.
Este trabalho de inserção deve
transformar a organização específica de minoritária a majoritária, ao
menos desde o ponto de vista da influência.
Também deve ser evitada qualquer
monopolização, seja concentrando todas as atividades da organização
específica sobre a organização de massas, seja atribuindo inteiramente a
direção da organização de massas a membros da organização específica, o
que apartaria outras opiniões. Cabe ressaltar aqui que a organização
específica deve promover e defender nos organismos de massas, não só um
funcionamento e uma estrutura democráticas e federalistas, mas além do
mais uma estrutura “aberta”, isto é, que facilite o acesso a estas
organizações de todos os elementos que todavia não estão organizados,
com o fim de que estas organizações adquiram novas forças sociais,
estendam seu caráter representativo e permitam a organização específica
ter o maior contato possível com as massas.
Mas no que respeita as questões de
tática, o problema é diferente. Pode se buscar a unanimidade, mas só até
certo limite, se, para conciliar as distintas posições, haja que
renunciar a tomada de decisão: os acordos evasivos transformam a
organização em uma casca vazia, sem substância nem utilidade, já que a
organização tem por objetivo a coordenação das forças até uma meta
comum. Então, quando todos os argumentos para as diferentes propostas
tem sido feitos, quando a discussão não pode continuar sendo frutífera,
quando as opiniões similares que concordavam em princípio tem se
fusionado e ainda fica uma oposição irredutível entre as táticas
propostas, então a organização deve encontrar uma saída. E para isso, só
há quatro possibilidades:
a) Não decidir nada, rechaçar a ação, perdendo a organização, assim, toda razão para existir .
b) Aceitar as diferenças táticas e
deixar cada um com sua própria postura. A organização pode aceitar isto
em certos casos, em certos pontos que não sejam de crucial importância.
c) Consultar a organização por um voto
que permita determinar uma maioria, a minoria aceitaria calar seu ponto
de vista na ação pública, mas poderia seguir o debate no seio da
organização, estimando que com o tempo, se sua posição é mais acertada
com a realidade, acabará por triunfar. Tem se reprovado as vezes neste
método sua falta de objetividade, ao considerar que os números não
refletem sempre a verdade, e que as maiorias não tem sempre razão, mas é
o único método possível. Além do mais, não apresenta tendências
coercitivas, já que só pode ser aplicado ao ser aceito por todos os
membros da organização, e ao ser aceito pela minoria como uma
necessidade, permitindo assim experimentar as proposições táticas
aceitadas.
d) Quando nenhum acordo entre a maioria e
a minoria se mostre possível em algum assunto crucial, o qual demande
que a organização tome posições, há, natural e inevitavelmente, um
fracionamento.
Em todos os casos, a meta é a unidade
tática, e se não se tente alcançar isto, então as discussões não são
efetivas e as confrontações, infrutuosas. É por isso que a primeira
solução possível, não dizer nada, tem de ser rechaçada em qualquer caso,
e a segunda, admitir várias táticas distintas, só pode ser um fato
excepcional.
Seguramente, é só nos encontros, onde
toda a organização está representada (conferencias, congressos, etc…),
nos quais podem se decidir a linha tática a seguir.
George Fontenis. Manifesto Comunista Libertário 1953.
A FAU pretende ser expressão política
dos interesses das classes exploradas e os grupos dominados, e se põe a
serviço dos mesmos, é um motor das lutas sociais.
Um motor que nem as substitui nem as
representa. Que sim, pretende dinamizá-las e organizá-las, superar seu
mero aspecto espontâneo, transcender os vaivens da conjuntura e
assegurar continuidade as rebeldias, as lutas cotidianas, as
expectativas e aspirações, etc.
Para nós, a Organização política é
também o âmbito onde vai se acumulando a experiência da luta popular,
tanto a nível nacional como internacional. Uma instância que impede que
se dilua o saber que os explorados e oprimidos vão adquirindo atrvés do
tempo.
A Organização Política atua também como o
cenário de produção das análises conjunturais e das orientações
fundamentais pertinentes. Por isso, é a Organização política a instância
adequada para assumir os distintos e complexos níveis de atividade que
pode exigir o trabalho revolucionário, a única instância capaz de
assegurar o conjunto de recursos técnicos, materiais, políticos,
teóricos, etc. que são condição indispensável para uma estratégia de
ruptura.
FAU. Declaración de Princípios 1993.
As atuações empurradas a força são
difíceis de manter e podem nos levar a situações que não controlaremos e
que não farão senão nos prejudicar. O convencimento e a participação
não podem ser substituídos pela coerção, e a utilização desta, se não é
em casos muito concretos e pontuais e respaldada por uma maioria forte,
costuma ser sintoma de debilidade. Inclusive nestes casos, se temos
ganhado essa maioria, o normal seria que seja ela a que exerça, e a
coerção da maioria sempre sempre tem recursos para ser mais suave e
adequada.
Chema Berro y Jose Maria Olaizola. Sindicalismo y transformación social 1993.
Compreendo a disciplina revolucionária
como uma autodisciplina do indivíduo, estabelecida num coletivo atuante,
de modo igual para todos, e rigorosamente elaborada.
Ela deve ser a linha de conduta
responsável dos membros desse coletivo, induzindo a um acordo estrito
entre sua prática e sua teoria.
Sem disciplina na organização, é
impossível empreender qualquer ação revolucionária séria. Sem
disciplina, a vanguarda revolucionária não pode existir, porque então
ela se encontrará em completa desunião prática e será incapaz de
formular as tarefas do momento, de cumprir o papel de iniciador que dela
esperam as massas.
Porque os anarquistas “de todo estilo e
de todas as tendências” não representavam, mesmo em seus grupos
específicos, um coletivo homog~eneo, com uma disciplina de ação bem
definida, não puderam suportar o exame político e estratégico que lhes
impuseram as circunstâncias revolucionárias.
Nestor Makhno. Dielo Trouda 1926.
Como a febre amarela, esta doença de
desorganização se introduziu no organismo do movimento anarquista e o
tem abalado por dezenas de anos.
No entanto, sem sombras de dúvidas, esta
desorganização se origina de alguns defeitos de teoria: notavelmente de
uma falsa interpretação do princípio de individualidade no anarquismo,
sendo esta teoria frequentemente confundida com a total falta de
responsabilidade.
Dispersão e quebra de unidade são arruinantes: uma união bem formada é um sinal de vida e desenvolvimento.
Está na hora do anarquismo sair do
pântano da desorganização, pôr um fim as infinitas vacilações das
questões táticas e teóricas mais importantes, mover-se definitivamente
em direção a um ideal claramente reconhecido, e operar uma prática
coletiva e organizada.
Não é o bastante reconhecer a necessidade vital de tal organização: é também necessário estabelecer o método para sua criação.
Nós rejeitamos como teoricamente e
praticamente inapta a idéia de criar uma organização baseada na receita
da “síntese”, que está reunindo os representantes de diferentes
tendências anarquistas. Tal organização, tendo incorporado elementos
teóricos e práticos heterogêneos, seria apenas uma reunião mecânica de
indivíduos, cada qual possuindo um conceito diferente das questões do
movimento anarquista, uma reunião que eventualmente se desintegraria ao
entrar em contato com a realidade.
O único método que leva à solução do
problema de organização geral é, do nosso ponto de vista, reorganizar
militantes anarquistas ativos baseando-se em posições precisas: teórica,
tática e organizacional, a base mais ou menos perfeita de um programa
homogêneo.
Os princípios fundamentais para a organização de uma União Geral de Anarquistas são os seguintes:
Unidade Teórica: a teoria representa a
orça que orienta a atividade de pessoas e organizações por uma trilha
definida e direcionada a um objetivo determinado. Naturalmente ela deve
ser comum a todas as pessoas e organizações aderentes à União Geral.
Unidade Tática ou Método Coletivo de
Ação: uma linha tática comum no movimento é de importância decisiva para
a existência da organização e para o movimento todo: ela elimina o
efeito desastroso de várias que se opõe entre si, concentra as forças do
movimento, oferece à elas uma direção em comum levando, portanto, a um
objetivo fixo.
Responsabilidade Coletiva: as áreas da
vida revolucionária, sociais e políticas, são, acima de tudo,
profundamente coletivas por natureza. A união toda será responsável pela
atividade política e revolucionária de cada membro; da mesma forma,
cada membro será responsável pela atividade política e revolucionária da
União como um todo.
Federalismo: o tipo federalista de
organização anarquista, ao mesmo tempo que reconhece os direitos de
independência, opinião livre, liberdade individual e iniciativa de cada
membro, requer deles que assumam deveres organizacionais fixos, e exige a
execução de decisões compartilhadas.
Grupo Dielo Trouda. Plataforma de Organização 1926.
A pergunta para os anarquistas de todos
os países é a seguinte: nosso movimento pode contentar-se em subsistir
na base de velhas formas de organização, de grupos locais que não tem
vínculo orgânico entre eles, cada um agindo do seu lado de acordo com
sua ideologia particular e com sua prática particular? Ou nosso
movimento deve ter recursos para novas formas de organização que irão
ajudá-lo a se desenvolver e a arraigá-lo entre uma vasta massa de
trabalhadores?
A organização anarquista não será
possível se não existir um acordo teórico e organizacional, constituindo
uma plataforma comum em que milhares de militantes possam reunir-se. À
medida que aceitarem essa plataforma, ela deve ser obrigatória para
todos. Aqueles que não reconhecem esses princípios básicos não podem se
tornar, e ademais eles mesmos não iriam querer, tornar-se membros da
organização.
Dessa forma, essa organização será a
união daqueles que terão uma concepção comum de uma linha teórica,
tática e política a ser realizada.
É isso o que caracteriza a
responsabilidade coletiva: toda a União é responsável pela atividade de
cada membro, sabendo que eles realizarão seu trabalho político e
revolucionário no espírito da União. Ao mesmo tempo, cada membro é
inteiramente responsável por toda a união, enxergando que sua atividade
não será contrária aquela elaborada por todos os seus mebros. Isso não
significa autoritarismo, como o companheiro Malatesta afirma com
firmeza, mas é a expressão de um entendimento consciente e responsável
do trabalho militante.
É por isso que ele só confere a
assembléias e suas resoluções o papel de uma espécie de conversa entre
amigos, na qual se pronunciam somente desejos platônicos.
Na verdade, qual seria o valor de uma
assembléia se ela tivesse somente “opiniões”, e não trouxesse fatos que
pudessem ser realizados na vida real? Nenhum. Em um movimento vasto, uma
responsabilidade unicamente moral e não-organizacional.
Piotr Archinov. Dielo Trouda 1928.